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Venho, através desta carta, expressar os meus sentimentos diante
da minha escolha. De início, oportuno anotar, que não interpretem estas
palavras como justificativa, pois não preciso apresentá-la, até porque a
escolha é individual, pessoal e assim como fiz livremente para ser
padre posso também livremente deixar. Deve-se entender que cada um tem
um limite de ação, que existe o livre arbítrio. Neste sentido,
desarmem-se de suas concepções religiosas preconceituosas, pois a vida é
feita de escolhas.
Após um longo processo solitário de discernimento, decidi abandonar o
ministério presbiteral e a condição de administrador da Paróquia Nossa
Senhora do Rosário em São João do Rio do Peixe-PB. Decidi viver um
grande amor. Um amor criado por Deus vivenciado entre um homem e uma
mulher. Um amor divinamente humano. Espero que compreendam que não estou
fazendo uma troca, pois o amor a Deus e ao seu Reino sempre estará em
primeiro lugar na minha vida e até porque o amor é onde Deus está, é o
que Deus é e não é possível ir contra isto. Apenas quero ser coerente e
verdadeiro. Não vai de encontro aos meus princípios viver de forma
forjada a disciplina do celibato a qual prometi no dia da minha
ordenação viver. Não posso enganar a mim mesmo e ao Povo de Deus.
É inconteste que não foi fácil o caminho de discernimento e tenho
consciência que nem será o de recomeçar, mas a vida é feita de escolhas e
as escolhas fazem parte da vida daqueles que são livres, como Deus nos
criou. Para ser fiel a Deus e a si mesmo é preciso mudar.
As decisões, são sempre difíceis de serem tomadas, corremos o risco de
sermos crucificados, apedrejados, mas no fim, a misericórdia divina
supera toda atitude de preconceito e de não amor. O certo é que não
podemos viver sempre em indecisões atrasando o futuro que nos espera e,
mais tarde, arrependidos de não termos feito o que deveríamos. Viver
requer coragem. E tem coisas que pulsam no coração em que nem mesmo a
razão é capaz de explicar.
O maior dom do ser humano é a liberdade para fazer escolhas. Viver é uma
sequência de escolhas certas ou erradas com consequências positivas ou
negativas para o envolvido e os demais. Não há dúvida de que as escolhas
são o principal fator determinante da vida.
Confesso que não estava prevista no meu projeto de vida esta mudança.
Desde da tenra idade cultivei o sonho de ser padre, em poder servir ao
Povo de Deus, e assim me dediquei a este legado com um longo tempo de
preparação. Não me arrependo se quer uma fração de segundo, porque vivi
intensamente a minha escolha. Nos quase seis anos de ordenação
presbiteral, sempre fui feliz, cada momento foi vivido com amor exerci a
minha missão com muita verdade e comprometimento.
Porém, nos últimos anos despertou em meu ser a necessidade de
concretizar algo de muito valor que já tinha admiração na fase
infanto-juvenil: a vida conjugal. Isso foi despertado em mim e confesso
que não foram as poucas vezes que tentei focar minha vida naquilo que eu
havia escolhido primeiro, mas chegou um tempo em que a minha humanidade
não suportava mais. Alguns podem até pensar que foi uma crise
vocacional, sou sincero e convicto ao dizer que não, porque se fosse
para continuar sendo padre e ao mesmo tempo constituir uma família pra
mim nada mudaria. Compreendo que o celibato é uma disciplina da Igreja e
que deve ser observado por aqueles que livremente escolhe esta vocação.
No início do meu ministério até pensei que seria possível viver por
toda a vida, mas chegou o momento em que a minha humanidade falou mais
forte. Realmente o celibato é um dom e nem todos são capazes de viver e
entender. Admiro muito aqueles que são capazes de viver. Acredito que a
não vivência do celibato não impede de exercer e nem mácula este
ministério. Contudo, é uma disciplina da Igreja e que deve ser cumprida
por aqueles que escolhem livremente vivê-la. Não sou eu quem vai mudar a
disciplina, eu quem devo mudar. Então, me debrucei nesta reflexão,
concluindo que não poderia ser incoerente com a minha escolha. Decidi
então recomeçar a minha vida, rompendo com meus sonhos e esperanças e de
tantos outros que depositaram em mim.
Que fique claro, que em momento algum nesta nova escolha desejei ou
articulei magoar alguém. Quantas vezes quis dominar o meu coração, mas
isso é impossível quando sentimos um amor verdadeiro sem malícias e
pretensões. Peço perdão se alguém sentiu ferido e atingido por mim. O
amor é amor quando existe reciprocidade e isso eu senti. Nada pode
contra e ninguém pode resistir ao amor. É o último grau de evolução, é
onde Deus está, é o que Deus é e não é possível ir contra isto.
Com imensa satisfação, continuarei servindo a Igreja, assumindo o meu
batismo como discípulo e missionário de Jesus Cristo, e, exercendo o meu
sacerdócio batismal, celebrando, agora, uma liturgia doméstica, culto a
Deus prestado ao Senhor em casa, oferenda religiosa da vida conjugal,
pondo em prática o plano de amor que Deus confiou ao homem e mulher.
Peço oração e compreensão de todos que ao longo da caminhada cruzaram o
meu caminho. Preservarei os mesmos sentimentos e carinho por todos.
Agradeço àqueles e àquelas que foram ombro amigo aonde eu descansei,
desabafei e por muitas vezes chorei neste meu itinerário de
discernimento. Tomo esta decisão na firme esperança e na sinceridade de
coração.
Saibam que não desisti da caminhada, apenas mudei a rota, na certeza de
que todas tem o mesmo destino. Sejamos felizes e que Deus nos abençoe!
Cordialmente,
Francisco Batista de Sousa Neto